Tarde de outono, acordei cedo, servi o café da manhã aos hóspedes, fiz todos os afazeres do meu cargo de camareira naquela pousada. A cada dia que se passa aumentam o tédio e os aborrecimentos pela falta de respeito e grande vontade de testar a minha paciência vinda dos proprietários. Nunca os meus serviços estão satisfatórios.
Ela sempre caçando algum erro ou alguma coisa pra me mandar limpar novamente. Ele só faz obedecer a ela, não tem personalidade própria.
Acabou o feriado da semana santa, em abril, e então fui designada a fazer a limpeza detalhada e minuciosa de cada um dos seis quartos, já que a pousada ficara fechada pelos próximos dez dias, quando os donos vão tirar férias e fazer uma viagem ao sul do país.
Comecei pelo que os hóspedes desocuparam antes. Limpei cada coisa, puxei as camas, limpei atrás do frigobar, o banheiro lavado, varanda com cada tábua de madeira da sacada limpas e passado óleo de peroba, que apesar de achar terrível o cheiro, fui obrigada a passar ali, em cada madeira da suíte. Tudo arrumado nos detalhes como manda o roteiro. Cama com os lençóis passados e esticados, travesseiros e tapetes em suas posições, ventilador de teto limpo, guarda-roupas também. Perfume no ambiente. Box com os vidros límpidos e toalhas brancas estendidas em suas posições. Após três horas de trabalho duro naquele quarto, passei para outra suíte.
Ouço a voz dela, que, como sempre, chegou de mansinho pra me pegar de surpresa e ver se estou trabalhando, me disse que eu poderia deixar pra terminar no dia seguinte já que não teria pressa, não teríamos nenhum hóspede e nem reservas feitas praqueles dias. Tinha acabado o horário do meu expediente. Desci, almocei e tomei banho. Em seguida a ouvi me chamar pra falar que eu deveria no dia seguinte voltar àquele quarto para refazer algumas limpezas, as venezianas das portas da sacada e os rejuntes dos azulejos no box. Os rejuntes não tinham jeito, eu já tinha limpado ao máximo, e as venezianas, ela disse que passou o dedo, e que em um lado ela percebeu que estava limpo, mas que no outro eu devia ter deixado passar porque o dedo dela voltou com poeira. Começou a chover forte na vila.
Fui para meu quarto, se é que podemos chamar de quarto, como fazia quase sempre, fora os dias que não chovia quando eu acabava indo ver o mar ou a cachoeira, gosto do silêncio, paz e tranquilidade que me transmitem. Chuviscava em cima da minha cama e uma goteira molhava o chão perto da porta. Quando mostrei à Maria, ela fez questão de colocar um objeto para aparar a água da goteira, mas não foi capaz de resolver de pronto o problema, mesmo tendo seis quartos vazios e desocupados na parte superior da pousada. Então eu lhe disse que assim era bom, que me refrescava a cabeça, apontando pra água caindo em cima de mim na cama.
Dia seguinte, pude acordar um pouco mais tarde, já que não precisava servir café da manhã. Quando abri a porta do quarto que eu já tinha arrumado no dia anterior, pude perceber que eles fazem de propósito pra me irritar, o quarto estava bagunçado, com as gavetas do guarda-roupas espalhadas pelo chão, o tapete empurrado parar baixo da cama e a lixeira no meio do quarto. Tive vontade de ir embora naquele momento. Respirei fundo e fui limpar as venezianas mais uma vez. Agora se ela quisesse poderia lamber ao invés de passar os dedos. Limpei por dentro e atrás de onde ficam as gavetas, varri e passei pano no chão novamente. Voltei ao quarto ao qual eu já havia começado a limpar no dia anterior, e vi que as gavetas também estavam espalhadas no chão, e por curiosidade fui nos outros quartos e pude constatar que eles fizeram isso em todos os quartos. Acabei de limpar aquele e quando eu já estava no terceiro quarto, Jonas e Maria subiram até os quartos pra verificar a limpeza feita, e como não poderia deixar de ser, acharam mais um defeito, abriram a porta de onde eu estava e me falaram pra limpar em cima do guarda-roupas que ele tinha passado o dedo e voltou com poeira, naquele instante, por menos de um milésimo de segundo eu pensei e não entreguei o pano na mão dele. Pensei tão rápido que nem cheguei a falar nada, mas a minha vontade era de mandar o casal pro inferno e dizer pra que eles façam a limpeza já que nunca estão satisfeitos com o meu serviço, se eu fizesse isso, além dos quartos ficarem sujos e bagunçados, eles não teriam com quem deixar a pousada nos dias das férias deles.
Pedi ajuda aos meus amigos e familiares pra decidir se eu deveria continuar e tentar mais um pouco, ou se deveria voltar pra casa e procurar um outro emprego por lá mesmo. Decidi tentar mais, aturar até agosto, são só mais quatro meses.
Neste dia, eles viajaram à noite, com a promessa de ficarem afastados por dez dias. Mesmo assim ela veio me fazer as recomendações: Não traga ninguém pra cá, você não está de férias, deverá trabalhar no seu expediente normal, tem comida é só você fazer, tem arroz, feijão, carne e frango. E veio me pedir pra tirar minhas folgas no início da semana, e eu neguei. Caso ela insistisse eu ia avisar que estava indo embora junto com eles.
No dia seguinte, a paz reinava na pousada, só tinha eu ali dentro, acordei só um pouco mais tarde e me deparei com um bilhete com mais recomendações. Roupas para estender, luzes para acender e apagar com hora certa, pia cheia de louças, pelo menos oito copos sujos só durante a noite, num período de quatro horas, eles foram capazes de sujar o suficiente de louças para um almoço. Pratos, panelas, copos, talheres. Voltei a arrumar os outros quartos. Fiz dois por dia, e nos dias seguintes só tive que manter a ordem, fazer uma revisão ou outra, lavei a cozinha, o banheiro, a área, o refeitório. Aproveitei pra lavar minhas roupas. Fiz o almoço com meus temperos, esteve maravilhoso. Já que não me acostumei a comer o que ela faz, arroz integral, panqueca integral recheada de espinafre, soja refogada e frango com pouco tempero, quase nunca ela cozinha carne.
Estou ansiosa pra ir na minha cidade e rever meus amigos. Preciso sair, me divertir, dançar, beijar na boca, fazer sexo. A abstinência sexual me deixa de mau-humor, e já são quase dois meses assim. Preciso me sentir desejada, querida, amada, mulher, sensual, feliz.
Sei que indo em casa, acabarei vendo coisas que me chateiam, como meu pai e minha madrasta bebendo sem controle, já são alcóolatras e ainda não perceberam, minha irmã se metendo a ser amante de um ex-namorado dela que não é o cara que um pai deseja ter como genro. A casa suja e bagunçada, meu guarda-roupas embolorado, pois ninguém é capaz de passar um pano já que não vão usar o que ali dentro está. Roupas de cama sujas, banheiro bagunçado, fumaça de cigarro por todos os cantos. Meu pai sentado vendo televisão no máximo volume e fazendo daquele cão o seu passatempo preferido. Não trabalham, não se movem, não tentam mudar, não perceberam ainda que precisam se ocupar e fazer alguma forma pra ganhar dinheiro. Porque o pouco que eles têm uma hora vai acabar e não foi investido em nada. Ela em breve vai entrar em depressão e tentar suicídio, ele por sua vez vai acreditar que é o dono do mundo e que todos tem de servi-lo, enquanto acende seus cigarros e toma os goles do seu whisky ou do seu conhaque.
Resolvi voltar pra casa. E a depressão chegou em mim...
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário