Quando criança, meus amiguinhos sempre tinham tudo da moda, era Castelo de Greyskull do He-man, era casa da Barbie, era roupa da loja Bicho comeu, e eu sempre tive que me contentar com as roupas mais baratas da Mesbla, ou da C&A, que era mais em conta, hoje nem é mais, boneca, era a imitação da Barbie, todas as amigas tinham as roupinhas descoladas da tal boneca, as minhas eram de lã, produzidas de crochê pela minha mãe. Lembro-me que uma vez pedi pro meu pai um tênis que estava na moda, era um bicolor da Redley, queria um amarelo com cinza, e adivinha o que eu ganhei? Um tal de Redponey preto com cinza. Pedi uma bicicleta amarela, ganhei de outra marca e rosa, pedi um Nauru, um sapato diferente, mas que todo mundo tinha, ganhei um Olympikus branco, pedi um Nike air, ganhei outro Olympikus, pedi uma mochila da Companny e ganhei da k&k, pedi uma sandália Kenner e ganhei Renner, quando a loja nem existia, cheguei a ponto de perder minha personalidade por uns tempos. 
Queria ter tudo como as outras pessoas que viviam ao meu redor, até que, - o que era material eu não podia ter, mais por causa do meu pai querendo me dizer que tênis é tudo igual, ou que boneca serve qualquer uma desde que você tenha uma, a minha boneca era uma negrinha de beiço virado como se estivesse chorando, e tinha olhos verdes, mas eu até que gostava dela – eu comecei a querer ter até a letra das outras pessoas, porque sabia que a minha não era tão bonita, então fiquei muito tempo tentando fazer a letra da Carolina, da Elizabeth, da Carla, da Vanessa, do Mário, mas nunca deu certo, meu caderno, a cada linha tinha uma letra diferente, agora eu já aceitei a minha letra feiosa mesmo. Nessa mesma época eu inventei na minha cabeça que eu não poderia mais demonstrar, com caretas, determinadas emoções, por exemplo, eu não poderia chorar, nem dar língua, nem fazer cara de espantada, nada que pudesse de alguma forma deformar a minha aparência, então eu só sorria, ou ficava séria, isso é muito triste, imagina você ter vergonha de se assustar ou de sentir dor só por causa da cara distorção da fisionomia, e pra piorar, muito do meu jeito foi modificado por causa dos outros, eu sempre fui uma pessoa sem medos, sem vergonha, eu abraçava todo mundo que eu gostasse, beijava, sentava no colo, mas deixo claro que nenhuma dessas coisas eram com segundas intenções ou com maldade, era só a minha forma de demonstração de afeto, de carinho mesmo, até que um dia meu pai veio brigar comigo que eu estava abraçando os outros, que isso “era feio” que eu devia parar e que parecia uma vagabunda. Achei ridículo ele falar isso até porque eu era daquele jeito, pois é, mais uma vez tive que mudar, agora no meu comportamento, parei de uma vez por todas de abraçar seja lá quem fosse, não dava mais nem beijo de cumprimento, nem ria alto, nem falava alto, passei a usar roupas largas e grandes, nem era mais eu. Passei a ter raiva das pessoas que faziam isso. Depois percebi que eu estava sendo outra pessoa, um ser moldado pelos outros pra querer usar o que eles querem que eu use, pra falar o que eles querem ouvir, pra fazer o que eles acham que deve ser feito, desisti. Troquei as roupas escuras, passei a usar roupas coloridas, mas muito coloridas mesmo, apesar de não usar muitas roupas estampadas, usava verde com amarelo, rosa choque, vermelho, tudo junto, anel era meu forte, tinha quase um em cada dedo, cortei meu cabelo que estava quase na cintura, na altura da orelha. Uma outra vez foi a que meus amigos começaram a se afastar de mim e da minha irmã, e não entendíamos porque, e chegou um deles e falou que a gente tinha que parar de falar da nossa vida como fatos de coisas ruins, verdade, passei por um momento em que eu só falava de tragédia, só coisas ruins, mas era inconsciente, não percebia isso, se você me falasse que tava com a garganta doendo, era como se eu achasse que a minha doía muito mais, se você está sem dinheiro, eu estou muito mais, se você está sofrendo, eu estou muito mais, então ele falou “cara, pára de falar coisa ruim, a gente fala com você , e você nunca tem nada de bom pra falar, a gente se sente mal do lado de pessoas assim” então eu mudei isso também.
E acredito que já faz um bom tempo que não mudo meu jeito de ser por causa dos outros, quem quiser que me ature do jeito que sou, se não quiser, tchau e benção.
 
 
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