
Meu pai sempre me ensinou que a mulher deve estar sempre cheirosa, então higiene pra mim é fundamental, e não admito que ninguém esteja fedorento, ou com mau hálito, ou qualquer coisa suja perto de mim. Tenho horror de molhar meus pés, molho no banho, claro, mas fico desesperada quando chove, só em pensar que meus pés podem molhar na água da chuva, ou seja, na lama que se forma nos buracos das calçadas e das ruas, fico com os dedos encolhidos e agoniada. Descobri a fórmula secreta pra que isso não aconteça mais. Quando chove, vou pra rua de botas, mas dentro delas protejo meus lindos pezinhos com meias e uma sacola plástica, é isso mesmo, sabe as sacolas de supermercado? Pois é, agora o que me deixa preocupada é que criaram uma lei que daqui há três anos, as empresas terão que substituir os sacos plásticos por sacolas de papel, agora me digam: como vou proteger meus pés? Uma vez, eu estava trabalhando na produção de um programa de televisão, na cidade de São Gonçalo, era na verdade um programa mostrando tudo que a prefeitura devia ter feito e não fez, como mostrar ruas sem calçadas, sem asfalto, falta da coleta de lixo, esgoto a céu aberto etc, pois é, meu primeiro dia de externas, foi um dia de chuva, mas eu, leiga, não conhecia a cidade, só sabia que era tudo muito feio e descuidado, eu tinha preconceito com o local, depois eu conto o motivo que deixei esse preconceito de lado, voltando, fui parar num bairro onde o asfalto já tinha chegado, mas só na rua principal, e nossa matéria era justamente no local enlameado, era num lixão a céu aberto, cheio de esgoto, não existia forma de passar sem pisar naquilo, água podre mesmo, lixo, urubus ao redor, foi horrível, e adivinha o que eu estava calçando? As botas? Nãaao. Eram tênis brancos de tecido, nem preciso dizer que logo no inicio da matéria eu queria ir embora correndo, né. Mas tive que ficar naquele depósito de esgoto sanitário até o fim da matéria, que na verdade era uma reivindicação dos moradores de que aquele local do lixão era o campo de futebol deles, e que não queriam que a prefeitura liberasse para uma empresa de construção fazer um condomínio. Eles nem estavam reclamando da sujeira, nem da falta de saneamento... Desesperador. Cheguei em casa e com muito nojo de mim, coloquei meu tênis direto em um balde com água sanitária e fui tomar uma banho de álcool e um banho de verdade depois, mas confesso, que mesmo assim, ainda fiquei me sentindo sujinha.
Voltando ao assunto do preconceito com a cidade, espero que um dia ela fique linda e bem organizada, eu vejo São Gonçalo como um buraco mal feito, era uma cidade de fábricas, e as pessoas começaram a construir suas casas de formas desorganizadas, sem as ruas bem definidas, cada uma num espaço qualquer, e até hoje continuaram, fizeram as ruas sem tirar nada do caminho, não tiraram os “imóveis” que estavam em local inapropriado, atrapalhando verdadeiramente o caminho, o trânsito. E assim ficou. Eu acho que não suportava ir pra lá porque quando eu era criança, meu avô morava lá, e eu era obrigada a ir pra casa dele, mas eu não podia fazer nada, não tinha lugar pra brincar, não tinha ninguém pra falar, não podia ouvir as “conversas de adulto” que aconteciam dentro da casa, então eu era obrigada a ficar a tarde toda na calçada ou numa escada que tinha no quintal, esperando que minha mãe resolvesse ir embora dali. Eu acredito que seja esse mesmo o motivo de eu não gostar muito de lá. Até que um dia eu passei a freqüentar alguns bairros por lá. Um amigo, no fim do ano na faculdade, ia viajar e passar alguns meses fora, na Austrália, até que eu fui pra despedida dele, bebi bastante, e isso me impossibilitou de ir sozinha pra minha casa. Pedi pra uma amiga que morava perto do bar, pra dormir na casa dela, fui negada solenemente. Depois pedi pra outra, que não negou, mas também ficou fácil decifrar que ela não queria muito me emprestar um cantinho na casa dela, que eu nem sabia onde era, era em são Gonçalo, e uma ultima chance, foi pedir pra um amigo, que na verdade, eu nem conhecia muito, e ele ofereceu sem nenhum medo, disse que eu poderia ir pra casa dele sem problema algum. Foi quando eu perguntei onde ele morava e veio um sonoro SÃO GONÇALO, fiquei pensando, mas eu não vou nesse lugar de forma alguma, mas também não estou em condições de ir pra minha casa sozinha, acabei aceitando o cantinho emprestado, e foi assim que meu preconceito acabou, passei a ser freqüentadora da casa de vários amigos por lá, coisa que eu não fazia nem se eu gostasse muito de alguém que me chamasse pra seu aniversario lá. E pra completar trabalhei nesse programa de televisão onde eu era obrigada a ir pro escritório que era no centro da cidade e durante as externas ir pros bairros mais decadentes.
 
